Foto_disturbios_psicologicos_Caixamaior

O trabalho pode causar adoecimento? Pode gerar dor, sofrimento extremo, levando uma pessoa a retirar a própria vida? As estatísticas são alarmantes e comprovam que o trabalho bancário é um dos que mais adoece. Dados da Secretaria Estadual de Saúde do Paraná, divulgados em 2017, apontam a categoria em um lamentável primeiro lugar entre as notificações de transtornos mentais relacionados ao trabalho.

No caso especifico da Caixa Econômica Federal, o Sindicato de Curitiba vem denunciando que a precarização das condições de trabalho – devido à falta de empregados, cobrança de metas abusivas e jornada extenuante, além das ameaças de retirada de função e transferências compulsórias – tem causado adoecimento de todo o quadro. “O número de trabalhadores afastados para tratamento de saúde mental é assustador e a quantidade de funcionários que estão em atividade sob efeito de medicação controlada é igualmente alarmante”, salienta Genesio Cardoso, dirigente do Sindicato de Curitiba e Região.

Nos últimos três anos, a Caixa realizou vários PDVs (Planos de Demissão Voluntária), reduzindo seu quadro em mais de 15 mil funcionários no País. Por outro lado, o número de operações realizadas aumentou consideravelmente, por conta de ações do Governo, como o pagamento do FGTS inativo e, no caso de Curitiba, a aquisição da folha de pessoal da Prefeitura, com aproximadamente 50 mil contas. Tudo isso sem contratar um único empregado.

“Mas as denúncias realizadas pelo Sindicato não sensibilizaram a direção do banco, que continua precarizando as condições de trabalho, com a retirada de comissionamentos e transferências compulsórias por reestruturação. Tal situação tem levado os empregados da Caixa ao desespero”, destaca Cardoso. Em Curitiba e Região, somente nos últimos três anos, cinco empregados do banco cometeram suicídio.

Em 2015, um empregado da agência Pien tirou a própria vida na porta de seu local de trabalho. Segundo relatos, teria deixado um bilhete dizendo não aguentar mais a pressão. Em 2017, outro empregado se jogou do oitavo andar do edifício da Praça Carlos Gomes, justamente no dia da confirmação de sua aposentadoria. Conforme relatos, teria dito que a Caixa era a sua vida. Na última quinta-feira (2/02), mais uma vítima cometeu suicídio, desta vez na sede do Sindicato, exatos três dias após assinar um acordo como banco, por ter saído no PDV. Segundo relatos, estava arrependido de ter saído da Caixa.

“Temos informações de outros dois casos em Curitiba, em situações semelhantes. Há ainda o relato de outro empregado, da agência Avenida Brasília, que faleceu logo após passar mal, trabalhando. Seus colegas disseram que ele sabia que precisava se afastar e não o fez por medo de perder a função de confiança, por não querer desfalcar ainda mais a equipe e pela possibilidade de transferência após seu retorno”, relata o dirigente sindical. “Cinco vítimas fatais em três anos. Todos eles apontando para o trabalho como componente determinante para o ato. A pergunta que fica é: quantos casos ainda precisam ocorrer para que a direção do banco se conscientize da gravidade dos problemas gerados por esse método de gestão que visa apenas o lucro e despreza a vida?”, questiona.

Para o movimento sindical, é urgente uma mudança nos métodos de gestão do banco, com o fim das ameaças de descomissionamento e transferência e a contratação de mais empregados. “Entre as ações que estamos implementando estão o apoio aos aprovados no concurso de 2014 em suas ações judiciais por convocação e as liminares garantindo remuneração e não transferência de domicilio dos empregados”, pontua Genesio Cardoso.

Organização do trabalho inadequada

“Em uma perspectiva sociológica, os adoecimentos metais e até os casos extremos, de suicídio, são fruto de um produto social, um efeito colateral da organização do trabalho”, explica o médico do MPT (Ministério Público do Trabalho), Elver Moronte. De acordo com ele, em um primeiro momento, pode parecer que o trabalho bancário não adoece, pois os trabalhadores permanecem em locais estruturados, climatizados e aparentemente confortáveis. Porém, há um sofrimento ético, uma carga psicológica extrema produzida pela concorrência acirrada, a urgência do cumprimento das metas individuais e a necessidade de manutenção da renda.

“Há muito tempo, o movimento sindical aponta a organização do trabalho bancário como inadequada, permeada pelas metas abusivas e pelo assédio moral. Os trabalhadores permanecem submetidos a uma violência organizacional que adoece e, em casos extremos, mata. As estatísticas mostram e o dia a dia comprova”, justifica o dirigente sindical Genesio Cardoso.

O médico do MPT explica que, sob outro aspecto, há ainda toda uma construção nas instituições financeiras para que o trabalhador se sinta imprescindível e que sua vida esteja centrada no banco. “Quando você começa a trabalhar, o banco faz com que você vista a camisa da empresa, se sinta parte de uma família e que sua vida dependa daquele emprego, financeira e emocionalmente”, ilustra o dirigente sindical. Nesses casos, um possível desligamento do trabalho – seja por demissão, aposentadoria ou outro fator – pode se tornar um gatilho para o adoecimento mental, o sofrimento extremo e o suicídio. “Um Plano de Demissão Voluntária, por exemplo, pode significar uma violência extrema para alguns trabalhadores que não estão preparados para deixar de trabalhar. Historicamente, há relação entre PDVs e suicídios de bancários”, acrescenta Moronte.

É preciso falar sobre suicídios

O médico do MPT defende que, mesmo se tratando de um tabu, é preciso falar sobre os suicídios. “Não falar é fingir que o problema não existe. E nós sabemos que ele existe. Toda tentativa ou suicídio é um recado, uma mensagem dramática de que a situação chegou ao extremo”, pontua Moronte. “Além disso, não podemos cair no simplismo de culpabilizar a vítima. Devemos debater, reconhecer as causas e, assim, impedir que haja outras vítimas fatais”, acrescenta.

O Sindicato realiza, cotidianamente, diversos programas de preservação da saúde dos trabalhadores – seja por meio de pesquisas sobre assédio moral, acompanhamentos individuais na Secretaria de Saúde, eventos de divulgação e prevenção sobre o tema e também atividades de esporte e lazer. A entidade alerta ainda bancários e financiários sobre a importância de, sempre que necessários, fazer uma pausa, se autoavaliar e, inclusive, buscar ajuda profissional especializada.

“O adoecimento, a dor, o sofrimento extremo são solitários. Mas nós gostaríamos de lembrar cada trabalhador que ele não está sozinho. Nós estamos aqui! Estamos dispostos a ajudar, a combater as causas do sofrimento e, principalmente, a evitar outras vítimas fatais. Conte com o Sindicato!”, orienta Genesio Cardoso.

Casos não são isolados

Kelly Menegon, secretária de Saúde do Sindicato de Londrina, afirma que o adoecimento psicológico nos empregados e empregadas da Caixa ocorre em larga escala em todo o País, seja por conta da organização do trabalho ou pelos sucessivos processos de desligamento lançados pelo banco.

“Na Região de Londrina também registramos uma série de casos de denúncias sobre pressões e realizamos atendimentos de bancários e bancárias que apresentavam distúrbios psicológicos”, explica.

Para Kelly, o banco precisa abrir negociações com as entidades sindicais para discutir formas de melhorar as condições de trabalho de seus empregados e empregadas, bem como para preparar as aposentadorias destes, como já fazem muitas empresas de grande porte.

Por Renata Ortega/Sindicato de Curitiba